Bertrand Piccard é um psiquiatra suíço, ambientalista e explorador. Neto de Auguste Antoine Piccard (1884-1962), que fez os primeiros voos de balão na estratosfera, e filho de Jacques Piccard (1922-2008), o primeiro a descer aos 10 mil metros de profundidade, seguiu o caminho dos antecessores e foi ainda mais longe: voou no balão Breitling Orbiter 3, a partir da Suíça, numa viagem sem escalas à volta ao mundo. Percorreu 45.755 km em 19 dias, 21 horas e 47 minutos. Mais tarde, a bordo de um avião movido apenas pela energia solar, fez igualmente uma viagem à volta do mundo (projeto Solar Impulse): voou 42 mil kms em mais de 500 horas, com 17 escalas no total. Fundou a Solar Impulse Foundation que, entre outros projetos, se tem dedicado a recolher as mil soluções empresariais mais sustentáveis e lucrativas, para alterar o paradigma de que precisamos de deixar de crescer economicamente de forma a proteger o ambiente.
Acredita num “crescimento qualitativo”, que cria empregos e é lucrativo, apenas substituindo o que polui pelo que protege o meio ambiente. Acha que é isso que os empresários e governos esperam ouvir, para trabalharem para a sustentabilidade do nosso planeta?
Sim, absolutamente. Muitas pessoas ainda acreditam que devemos decidir entre crescer economicamente e proteger o meio ambiente e que não podemos ter os dois ao mesmo tempo. Com a Solar Impulse Foundation quero demonstrar, com mais de 1000 tecnologias tangíveis e existentes, que o oposto é possível. Os nossos 1000 rótulos (Efficient Solutions Label) foram atribuídos a soluções que são benéficas para o meio ambiente e para a nossa qualidade de vida e, mais importante, são lucrativas para os produtores e para os consumidores. Eles provam que a divisão entre crescimento e proteção climática está obsoleta e precisa de ser reajustada.
A humanidade está acostumada a evoluir, mas também é conhecida por ter uma reação negativa à mudança. Por que será tão difícil agirmos de forma mais rápida e eficiente na construção de um mundo mais sustentável?
Sou psiquiatra por formação, por isso, preservar o meio ambiente interessa-me tanto quanto entender a tendência humana em destruí-lo. Enquanto poluir o planeta for mais barato do que preservá-lo, a humanidade continuará a fazê-lo. O ser humano não é propenso a preocupar-se com consequências que duram mais do que a sua existência. É exatamente aqui que o nosso trabalho entra. A proteção do meio ambiente e a mudança de comportamentos precisam de ser recompensadas: é preciso criar um certo benefício, um lucro. Quero provar aos indivíduos, às empresas e aos governos que isso é possível. Resumindo, estou a falar a linguagem do dinheiro e da criação de empregos, pois parece ser uma linguagem universal que todos parecem entender.
A Covid-19 (não esquecendo a tragédia que representa) foi o momento perfeito para assumir um compromisso sério sobre a transição energética?
Covid-19, por mais trágico que tenha sido para tantos entre nós, deu à humanidade um momento único para refletir, não apenas sobre a sua impotência diante de desastres naturais, mas principalmente sobre a sua relação com o planeta e como queremos salvaguardar essa relação para o futuro. Vivíamos numa uma economia frágil, ineficiente e injusta. O covid-19 permitiu-nos pressionar um botão para reiniciar. Os mil milhões que fluem para a recuperação económica devem ser usados para substituir infraestruturas e processos antigos e poluentes, por outros mais limpos e eficientes. Esta é uma oportunidade única para levar a sério a transição ecológica.
Se são possíveis projetos tão disruptivos na aviação, tal como demonstrou com o projeto do avião movido a energia solar (Solar Impulse), qual é o futuro para a indústria automóvel, ou outro setor industrial? “O combustível é o limite”, como já teve oportunidade de afirmar?
As possibilidades, quer no setor automóvel, quer em outras indústrias, são muitas – basta olhar para o nosso portfólio de mais de 1000 soluções, e fica com uma ideia da enorme quantidade de oportunidades económicas que existem. Acredito que aquilo de que precisamos é de mais espírito pioneiro dos capitães da indústria, usando as novas soluções limpas que estão disponíveis. A Tesla, por exemplo, foi criada por um homem que não pensava em produzir carros com baterias, mas sim baterias sobre rodas. Isso foi inovador e precisamos de ver mais coisas assim. O mercado de hidrogénio, por exemplo, está a desenvolver-se a uma velocidade sem precedentes, e estou confiante de que em breve será o player dominante na indústria automobilística. A Airbus também já está a trabalhar num avião movido a hidrogénio para 2035. Estes são desenvolvimentos encorajadores.
Entretanto, já encontraram as 1000 soluções eficientes e sustentáveis. Qual é a próxima etapa? Existem soluções portuguesas?
O trabalho mais importante começa agora: precisamos garantir que elas sejam usadas. É por isso que pretendo ver o maior número possível de líderes empresariais e governantes e convencê-los de que seria absurdo não aproveitar as inúmeras oportunidades disponíveis. Temos algumas soluções de Portugal, como a City Boats Lisbon, por exemplo, que utiliza barcos solares para o transporte de turistas em pequenos cruzeiros no rio Tejo, em Lisboa, sem utilização de combustível. E o Kit Solar da BeOn, que permite que se liguem painéis solares diretamente a uma tomada doméstica, em residências particulares, sem custos adicionais de instalação. Estamos ativamente à procura de mais soluções, portanto, se um fornecedor de soluções em potencial ler isto – inscreva-se
Já teve oportunidade de falar sobre a sua relação com Andre Borschberg, e de como “precisa de trabalhar com pessoas que não pensam da mesma forma”. É comum ter essa perspetiva no meio empresarial?
Acho que é uma reflexão crucial a incorporar em qualquer empreendimento que envolva outras pessoas. Compreender o que motiva e impulsiona o outro é a chave para tornar a colaboração um sucesso. Se você souber a língua do outro e tentar falá-la, será muito mais convincente. Afinal, a única coisa nova que podemos aprender na vida vem de pessoas que pensam diferente de nós.
Tem falado sobre o enquadramento legal que nos permite poluir. Precisamos de melhor regulamentação?
Ao ritmo a que avança o processo científico e tecnológico, é possível pensar que as soluções “limpas” resolverão muitos dos desafios ambientais atuais. Mas a legislação não tem avançado ao mesmo ritmo e ainda permite poluir com impunidade. Embora acredite que a melhor motivação para as empresas são as novas oportunidades, a estrutura legal certa é essencial para nos empurrar a todos na mesma direção e na mesma velocidade. É por isso que os políticos deveriam entender melhor a tecnologia. Já agora, o antigo Comissário Europeu para a Inovação é candidato a Presidente da Câmara de Lisboa. Isso pode ser uma grande vantagem.
Acredito que, ao voar no Solar Impulse, teve tempo e oportunidade para refletir sobre tudo. Acha que, de vez em quando, todos deveríamos parar e refletir sobre o que estamos a fazer?
Sim, mencionei anteriormente que o COVID nos deu essa oportunidade trágica. Mas precisamos de fazer muito mais. É muito fácil continuar no caminho que sempre percorremos. É confortável. Se nos permitirmos pensar exatamente o oposto do que aprendemos, e desafiar todos os paradigmas que consideramos garantidos, é aqui que criamos espaço para inovação e abrimos caminho para algo novo.
Afirmou que “de vítima da poluição”, podemos tornar-nos “atores de mudança”. Como podemos fazer isso? Como comunicar isso aos mais jovens, que serão os futuros CEOs das empresas já existentes e das que irão surgir?
Os futuros heróis não serão os que descobrem novos territórios, mas sim os que melhoram a qualidade de vida na Terra. Precisamos de encorajar os jovens a acreditar na nossa capacidade de enfrentar os problemas ambientais. Precisamos despertar o seu entusiasmo e incutir neles uma atitude positiva que nos tire da letargia. A próxima geração está cheia de energia. Tenho certeza de que eles podem transformar as sementes que estamos hoje a plantar em algo de muito poderoso.