“Este é o momento para repensar a forma como fazemos negócio, o capitalismo e a economia e lembrar que é a forma como governamos as nossas empresas públicas e privadas que cria valor”, começou por dizer Mariana Mazzucato, oradora convidada da EDP Business Summit para o painel “How to Green Your Business: Sustainability and Profitability Hand in Hand”.
“Devemos mudar a maneira como ‘fazemos capitalismo’ – a maneira como o setor público é organizado (mais como um co-criador de mercados, não apenas um regulador), a maneira como o setor privado é governado (atualmente é muito financiado e de curto prazo), e a maneira como eles se relacionam (através de parcerias simbióticas e não parasitárias)”, acrescentou em entrevista ao Jornal de Negócios.
Covid-19: “Wake up call”
De acordo com a economista, a pandemia trouxe urgência à inovação social, organizacional e tecnológica. Trouxe também a necessária injeção de liquidez nas economias, mas que, só por si, não é suficiente. “O risco é que, por detrás dos grandes fundos de recuperação, a austeridade volte. Na verdade, no passado, a austeridade pós-crise financeira tornou a crise muito pior do que deveria ser”. O “momento Covid- -19”, como o designa, “foi importante porque vimos que não estávamos preparados, nem para produzir os equipamentos de proteção para os ‘trabalhadores da frente’, nem para ter sistemas de teste e rastreio ou para fazer frente às desigualdades no acesso à tecnologia e, consequentemente, no acesso à educação, durante o confinamento.” Acredita, por isso, que não estamos preparados para resolver as grandes questões do nosso tempo: seja a crise de saúde mundial, sejam as alterações climáticas. “Precisamos de uma economia-missão, focada em resolver estes problemas, mas também focada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) [definidos pelas Nações Unidas], e não estamos a andar ao ritmo certo”.
Alterar o capitalismo vigente
Para Mariana Mazzucato é essencial ir à fonte dos problemas para avançar no caminho certo. E um dos mais prementes “é o facto da finança se financiar a si mesma, o que cria diversos tipos de bolhas, como a do imobiliário há 10 anos atrás”. Ou seja, cerca de 80% do financiamento global está a ser integrado de novo no setor financeiro: nas Finanças, nos Seguros e no Imobiliário” (ou FIRE – Finance, Insurances, Real Estate). Alterar este mecanismo, “é questão fundamental deste século”, afirma. Acrescenta ainda que também o setor empresarial se tornou obcecado em maximizar o valor do acionista, referindo que, nos últimos dez anos, 4 triliões de dólares não foram investidos em projetos de pesquisa e desenvolvimento ou na formação de recursos humanos, mas foram usados para fazer aumentar o valor das ações e o pagamento aos executivos das empresas.
Para a especialista este é o segundo problema que tem de ser resolvido e introduz um terceiro: a burocratização, inércia e infantilização do setor governativo. Demasiado apoiado em empresas de consultoria externas, focado em colocar apenas “pensos rápidos” nas grandes questões e com fracos investimentos nas suas organizações: “vai acabar por agir sempre muito pouco, demasiado tarde”.
A solução passa por um tipo diferente de capitalismo, que coloque a missão no centro. Ou seja, que transforme as necessidades em objetivos específicos, capazes de ser mapeados e concretizáveis, e que promova a inovação e a cooperação entre os vários setores da sociedade. Acredita que só assim vai ser possível avançar no sentido da sustentabilidade do planeta e da nossa qualidade de vida. É preciso, mais do que discutir como se chega lá, começar a andar nesse sentido. “Walk the talk”, concluiu.
Missão: ir à lua e voltar
Ao longo dos últimos anos, Mariana Mazzucato tem desenvolvido uma visão do que considera ser o (necessário) novo capitalismo. Ao estudar a história do projeto Apollo 11, que colocou o primeiro homem na Lua em 1969, desenhou uma estratégia focada em missões. Dali retirou lições sobre dinâmicas entre culturas organizacionais que abraçam o risco e a incerteza, que provocam investimentos intersetoriais na inovação em objetivos públicos. Há dois anos, foi convidada pela Comissão Europeia para construir um relatório sobre inovação e como orientá-la para missões, de forma a ajudar a guiar as políticas europeias neste sentido. Transformou os ODS em objetivos concretos, de promoção da inovação e investimento intersectorial, e redesenhou as ferramentas para lá chegar e promover a inovação de baixo para cima. Considera que “precisamos deixar de nos centrar nos setores isoladamente, pensar nas grandes questões, e de que forma os diferentes setores podem ser envolvidos