“Estes são tempos desafiantes, mas também estimulantes para a indústria energética”
Andy Brown, CEO da Galp, explica o que está a ser feito na descarbonização do negó-cio, na transição energética e o que está em causa neste processo.
A descarbonização da economia é um processo que sociedade e empresas estão a realizar para reduzir o impacto das alterações climáticas. Mudar para uma nova matriz de consumo energético, assente em energias limpas, obriga a mudanças profundas na forma como produzimos e consumimos energia. As empresas energéticas vão conseguir fazer a transição? Estamos preparados? O CEO da Galp, Andy Brown, conta o que estão a fazer neste domínio e deixa alguns alertas para aqueles que querem acelerar o processo sem garantir a segurança energética de que o país precisa.
A Galp, tal como outras companhias de petróleo e gás, quer fazer a transição energética e reduzir a componente fóssil. Como é que esta meta está a correr?
Temos avançado muito rapidamente em todas as nossas áreas de negócio. Na energia solar, somos hoje o segundo maior produtor na Península Ibérica, com mais de 1 GW de capacidade em funcionamento, e ainda este mês, duplicámos a nossa carteira de projetos em desenvolvimento com uma importante aquisição no Brasil. Estamos a construir uma unidade de conversão de lítio em Setúbal com a Northvolt, o principal produtor europeu de baterias. Acabámos de decidir construir um eletrolisador de pequena escala que nos permitirá produzir as nossas primeiras moléculas de hidrogénio verde em Sines, e queremos começar até ao início do próximo ano dois projetos de 100 MW à escala industrial. Estes são tempos desafiantes, mas também estimulantes para a indústria energética. No nosso negócio tradicional de mobilidade, as coisas estão realmente a acelerar. Em 2010, o ano em que abrimos o nosso primeiro ponto de carregamento, foram vendidos apenas 18 carros elétricos em Portugal. Este ano, até ao final de abril, foram vendidos quase 10 mil, mais 35% do que no ano anterior. E a Galp está a liderar essa mudança: no final de 2021, tínhamos 1000 pontos de carregamento em funcionamento e este ano vamos duplicar esse número.
A transição envolve custos elevados e grandes investimentos, mas também riscos. Quais são os principais riscos envolvidos nesta transformação?
O maior risco é não fazermos nada. O mundo está a mudar tão rapidamente que mais do que responder a essa mudança, temos de a liderar, proporcionando aos nossos clientes soluções energéticas competitivas e sustentáveis. Temos de assegurar que esta ampla transformação do sistema energético seja, de facto, uma transição, na qual as empresas possam desenvolver os seus planos de negócios a longo prazo com alguma previsibilidade. Se quisermos ter uma transição adequada – em vez de uma rutura –, precisaremos de um aprovisionamento fiável de fontes de energia tradicionais, nomeadamente de gás natural, mas também de petróleo. E temos de continuar a investir nessas fontes até dispormos de energia renovável que garanta a nossa segurança energética.
A guerra na Ucrânia alterou a urgência da discussão sobre a transição e a independência energética. Será que o problema se tornou mais claro?
Tornou-se muito mais óbvio que temos de reduzir a nossa dependência face a fornecedores de energia instáveis como a Rússia. É também claro que precisamos de aumentar a produção da nossa energia a partir de fontes locais, como o vento e o sol. Temos ainda de garantir que a energia de que dependemos hoje continua a estar disponível e a ser acessível aos consumidores.
Houve alguma mudança na estratégia que estava a ser seguida? Os investimentos planeados estão a ser repensados à luz da guerra?
Não, de forma alguma. A única decisão estratégica que tomámos devido à guerra foi a de deixar de comprar produtos petrolíferos à Rússia. Quando os nossos valores fundamentais estão em jogo, temos de os defender, e foi isso que fizemos. Intensificámos também os esforços para ajudar os mais necessitados, apoiando os refugiados e aumentando os descontos aos nossos clientes.
A única decisão estratégica que tomámos devido à guerra foi a de deixar de comprar produtos petrolíferos à Rússia.
Do ponto de vista do consumidor, é importante ter uma oferta de produto “mais verde”?
Esta é uma mudança em que todos temos de fazer a nossa parte. Como empresa de energia, temos de fornecer os meios para que a sociedade faça essa transição. Mas só seremos bem-sucedidos se os consumidores estiverem dispostos a adotar os novos produtos e fontes de energia. Tem de existir um mercado. Os consumidores devem ser informados e incentivados a adotar comportamentos responsáveis, mas as alternativas têm de ser acessíveis. Isso exige, por vezes, legislação e regulamentação para acelerar a mudança. Um exemplo – o hidrogénio verde é mais caro do que o gás natural. Temos de garantir que se torna competitivo, incorporando o custo das emissões nas alternativas concorrentes. Isso requer ação por parte dos poderes públicos. A velocidade da mudança dependerá da capacidade dos governos europeus para trabalharem com a indústria em parcerias estratégicas, de modo a criarem quadros regulamentares e de licenciamento equilibrados para que todas estas mudanças possam acontecer mais rapidamente.
Chegará o dia em que a Galp será uma empresa “para além do petróleo”?
Na realidade, a Galp já é hoje muito mais do que petróleo. Embora a produção de petróleo e gás ainda assegure a maior parte dos nossos resultados, representa menos de metade dos nossos investimentos, à medida que construímos uma carteira de negócios sustentáveis que impulsione o nosso crescimento a partir dos anos 2030, substituindo progressivamente os combustíveis fósseis: energias renováveis, hidrogénio verde, transformação de lítio para baterias, combustíveis de baixo carbono, mobilidade elétrica, conversão de frotas empresariais e urbanas, mas também de produção descentralizada de energia solar para autoconsumo. Até 2050, ambicionamos ter emissões de CO2 neutras. Nessa altura, por definição, estaremos “para além do petróleo”.
A crescente tendência para a eletrificação exige a produção de baterias de lítio, o que também é prejudicial para o ambiente. Como se pode resolver este equilíbrio?
Equilíbrio é, realmente, a palavra-chave. Não há soluções milagrosas para a equação energética, mas simplesmente não podemos continuar a fingir que as ações que tomamos hoje não têm custos no futuro. As consequências de continuarmos a queimar combustíveis fósseis estão sobre nós. Precisamos de desenvolver alternativas de forma sustentável. É isso que pretendemos atingir em cada uma das etapas da cadeia de valor do lítio que estamos a montar com a Northvolt, e com a fábrica de conversão de Setúbal, que será uma das maiores e mais sustentáveis da Europa. O sistema energético suportado nos combustíveis fósseis é prejudicial para o clima. A pegada do novo sistema energético não será igual a zero, exigirá a geração de energia renovável a partir do vento e do sol e também a extração e processamento de matérias-primas para o fabrico dos componentes necessários para o novo sistema energético.
Em termos de investimento, o que implica ser “mais verde”? Onde é que se investe?
A Galp tem a ambição de alcançar neutralidade carbónica até 2050 e uma redução global de 40% nas nossas emissões até 2030. Todos os projetos que contribuem para estes objetivos, e dos quais já falámos, são investimentos verdes, porque estas metas são o resultado agregado dos projetos concretos que temos em desenvolvimento. Temos muitos desafios pela frente – e igual número de oportunidades.
A mudança no paradigma empresarial obrigará a Galp a continuar a investir em Portugal e no estrangeiro. Como é que se divide esse investimento?
A energia é uma das indústrias mais globais do mundo e os nossos negócios mostram isso claramente – a maior parte dos nossos resultados vem do Brasil, estamos também presentes em muitos países africanos e a maior parte dos nossos negócios de refinação e retalho está na Península Ibérica. A nossa transformação é também um esforço global. Grande parte do nosso crescimento em energias renováveis virá de Espanha e do Brasil, mas também temos um gigantesco e muito promissor projeto de GNL em Moçambique. Iremos investir consideravelmente em hidrogénio verde na nossa base industrial em Sines, e pode fazer sentido replicar isso noutras geografias onde também temos uma forte capacidade de energia renovável, como o Brasil.
Como é que o mercado vê esta transição?
Estamos num momento de transição em que muitos investidores estão apreensivos com o retorno dos investimentos em energias renováveis, mas outros estão preocupados com a sustentabilidade do investimento em projetos tradicionais de petróleo e gás. É nossa responsabilidade provar que podemos construir um negócio sustentável que traga crescimento rentável aos acionistas, respondendo simultaneamente às necessidades da sociedade. Creio que a Galp tem feito um bom trabalho na construção de um caso equilibrado para responder a ambas estas perspetivas.
O conhecimento e a literacia energética são pilares essenciais da Galp Electric Summit.
O que é a Electric Summit? Quais são os objetivos desta iniciativa?
A Electric Summit pretende ser o local para pensar e discutir a transição energética e a mobilidade sustentável em Portugal, com especialistas em sustentabilidade, tecnologia e engenharia, gestores e decisores. Inclui também um roadshow por vários municípios portugueses. Queremos envolver empresas, governantes, os meios de comunicação e, sobretudo, os cidadãos neste diálogo sobre como construir um futuro descarbonizado e mais eficiente em termos energéticos. O conhecimento e a literacia energética são pilares essenciais da Galp Electric Summit. Esta é a única forma de avançarmos para um paradigma energético mais inclusivo. Queremos estar perto das pessoas e mostrar-lhes o que nós, como empresa energética, estamos a fazer para regenerar o seu futuro.