A Forma da Vizinhança é um festival de arte e arquitetura que propõe uma nova leitura urbana da cidade de Braga e do seu crescimento ao longo dos últimos 50 anos.
O festival surgiu integrado na programação artística de Braga, Capital Portuguesa da Cultura 2025, “procurando fazer uma leitura crítica e dar resposta a dois temas interligados”, como explica o arquiteto Fernando P. Ferreira, um dos dois curadores do festival – o outro é o arquiteto Daniel Duarte Pereira e juntos dirigem o atelier de investigação em arquitetura Space Transcribers.
Os dois temas interligados são estes: “Por um lado, dar a conhecer a forma urbana da cidade de Braga resultante do crescimento dos últimos 50 anos em democracia — com especial atenção às áreas menos conhecidas (ou não tão exploradas), além do centro histórico. Por outro, num momento em que as relações de proximidade e conexão humana estão em profunda transformação, interessou-nos explorar de forma aprofundada o significado contemporâneo do conceito de vizinhança.”
Como acrescentou Fernando P. Ferreira, “olhámos para novas formas de vizinhança construídas nas últimas décadas, selecionando cinco urbanizações e três hortas urbanas — dois modos distintos de vizinhança”.
Aos Space Transcribers interessou-lhes também “desconstruir o conceito de vizinhança — que hoje, a nosso ver, precisa de ser desromantizado e compreendido para além da mera proximidade física”.

Ouvidos os moradores e partilhadas histórias
Foi realizado um processo de auscultação aos moradores e foram partilhadas histórias sobre os oito locais selecionados (cinco urbanizações e três hortas urbanas), entre junho e setembro de 2024, em estreita parceria com juntas de freguesia, associações de moradores e a BragaHabit. “Fizemos 13 sessões distribuídas pelos oito locais e contámos com um total de 153 participantes.”
Durante esse processo criativo de pesquisa foi desconstruído o conceito de vizinhança que agora “inclui também o vizinho do trabalho, dos serviços que usamos no dia a dia (café, supermercado), os vizinhos digitais com quem interagimos online, e os vizinhos não humanos — sejam eles animais ou ecossistemas vegetais”.
Partindo dessas formas de vizinhança construídas — edifícios, hortas, espaço público — e de quem os habita, “o festival explora histórias, rotinas e tensões que moldam a vida urbana”, referiu ainda Fernando P. Ferreira.
“Oito instalações arquitetónicas temporárias, comissionadas a oito equipas de arquitetura, e oito ativações artísticas concebidas por artistas e designers desenham um percurso distinto, que reflete sobre a cidade construída e os modos como nela vivemos em conjunto”, destacou.
Um legado material e imaterial
O legado do festival A Forma da Vizinhança vai permanecer, pelo menos assim acreditam os Space Transcribers. “Apesar de ser um festival de compromisso longo (iniciado no final de 2023) e de caráter temporário — com fim marcado para novembro deste ano —, acreditamos que gerou uma energia coletiva que deixará um legado material e imaterial. Por exemplo, numa das urbanizações trabalhadas, renasceu uma associação de moradores que estava adormecida. Além disso, o projeto resultará em duas publicações que contribuirão para o conhecimento sobre e para a cidade. Por isso, sim: acreditamos que os frutos deste festival continuarão a alimentar vizinhanças mais unidas, atentas e criativas”, conclui Fernando P. Ferreira.
Perante a atual crise climática e a transformação das relações humanas a nível global, “é imperativo que a arquitetura do presente e do futuro tenha uma agência cívica e ecológica ativa”, sublinhou o arquiteto. “Isso implica sensibilidade na escolha dos materiais — priorizando a sustentabilidade e a circularidade — e um envolvimento próximo com as comunidades humanas e não humanas nos territórios onde intervém.”
As intervenções do festival
Fujacal – Praça dos Arsenalistas
O atelier Parto parte da descoberta de argila no solo do Fujacal para propor “Arqueologias do Futuro”, uma estufa-laboratório que irá extrair argila no solo local para acolher oficinas de cerâmica e momentos de criação coletiva para a vizinhança.
Quinta da Capela – Praça Dr. Francisco Araújo Malheiro
O atelier ATA propõe “Rotação”, uma instalação em torno de um jacarandá oferecido por Eugénio de Andrade a uma moradora, reutilizando materiais da construção civil para criar um abrigo circular no qual se cruzam vizinhança e literatura.
Fontainhas – Praça das Fontainhas
A instalação “Atlas”, do arquiteto galego Manuel Bouzas, ocupa a ruína da praça das Fontainhas com uma cúpula de madeira leve que, sem cobrir, paira sobre a antiga fonte, ativando o lugar como espaço de encontro e imaginação para a vizinhança.
Parretas – Alameda da Fonte
Na escadaria das Parretas, o arquiteto Nuno Melo Sousa propõe “Sala de Condomínio”: três planos de aço galvanizado desenham um espaço subtil ao ar livre, que convida à pausa, ao diálogo e ao encontro entre vizinhos.
Makro – Praceta Cónego Francisco Pacheco Pereira
Na Makro, a arquiteta Patrícia da Silva transforma os vestígios de uma fonte inacabada desenhada por Moura Coutinho. A instalação “Vestígio(s)” envolve a base da fonte — agora banco — com uma cortina que protege um novo jardim oculto.
Horta Urbana da Quinta da Armada
O estúdio bracarense LIMIT architecture studio apresenta “Sementeira Ambulante”: uma estrutura modular montada num atrelado, que alterna entre o modo estático (como estufa de germinação) e o modo móvel, circulando pela cidade para partilhar sementes e saberes.
Horta Urbana de São Vicente
O Atelier Local propõe “Monumento à Vida Quotidiana”, uma instalação de madeira que oferece abrigo e apoio à horta, ligando simbolicamente este espaço ao bairro das Andorinhas e celebrando os gestos do dia a dia.
Horta Urbana das Lameiras – Parque de merendas anexo à horta
O coletivo cabo-verdiano RAM inspira-se no conceito cabo-verdiano “Morabeza” (hospitalidade e bem-estar) para criar uma instalação que acolhe encontros afetivos entre a horta, o parque de merendas e a vizinhança envolvente.