Os 150 milhões de euros investidos na reabilitação da habitação municipal na capital foi o valor mais elevado, desde o Programa Especial de Realojamento (PER), que comemorou 30 anos em 2023. Além de construção e reabilitação, os projetos comunitários nos bairros “cresceram 700%”. Os números são avançados por Fernando Angleu, presidente do Conselho de Administração da Gebalis, no último episódio de “Uma Casa, um Futuro”, no qual assegura também que a habitação “é um projeto inacabado” porque “há sempre coisas que são necessárias fazer”.
Nestes 30 anos, de que forma a empresa evoluiu e quais foram os grandes desafios pelos quais passou?
Hoje, a empresa está muito diferente. Neste momento, temos 270 colaboradores ativos, gerimos mais de 23 mil frações, 12% da população de Lisboa vive nos bairros municipais e temos dez gabinetes de proximidade. Temos duas lojas de cidadão, uma nova sede, investimos bastante na comunicação e melhorámos as condições de trabalho. Quem trabalha hoje na Gebalis tem condições muito melhores para poder dar uma resposta mais eficiente a quem necessita, que são os moradores dos bairros municipais.
Que marcos destacaria nestas três décadas? E quais foram os maiores obstáculos?
Desde logo, não há habitação sem investimento. Houve algum tempo sem esse investimento, nomeadamente na recuperação do edificado, muito dele antigo. Felizmente, hoje temos um executivo em que a aposta municipal foi a habitação. Esse investimento é superior a 150 milhões de euros em três anos. Desde o PER [Programa Especial de Realojamento] – que comemorou 30 anos em 2023 – que não havia um investimento tão grande na cidade de Lisboa.
Os programas de reabilitação urbana têm sido um dos pilares de atuação da Gebalis. Quantos fogos e lotes foram requalificados nos últimos anos e que impacto este investimento tem na qualidade de vida dos moradores?
A Gebalis tem uma gestão de cerca de 2500 edifícios. Nestes últimos três anos, o programa Morar Melhor recuperou mais de 400 edifícios, mais de 7 mil frações de forma indireta. E vamos recuperar 1810 casas, fogos devolutos, diretamente. Estamos a falar de uma intervenção em cerca de duas casas por dia útil, nos últimos três anos. A ideia é reabilitar o parque edificado que estava muito degradado.
Tínhamos decidido três grandes eixos para este mandato: a recuperação das casas devolutas – as tais 1800, que esperamos terminar em 2025 –; a reparação de edificado que estava muito estragado; e a questão dos elevadores que é um problema muito grande. Temos 1.210 elevadores com uma manutenção difícil porque estiveram muitos anos sem investimento. Neste mandato, estamos a investir cerca de 14 milhões de euros em elevadores – o dobro do último mandato – e mesmo assim temos problemas. Também temos muitos casos de vandalismo e isso causa-nos um transtorno maior. Há necessidades que tentamos suprimir, mas nem sempre conseguimos porque a dimensão é muito grande. Entre 2013 e 2022, criaram-se cerca de 12 elevadores novos nos bairros municipais. Nós, nestes três anos, já criámos 40 elevadores novos, além da recuperação de todo o parque dos elevadores que existe no edificado de Lisboa.
De que maneira estes atos de vandalismo bloqueiam o vosso trabalho?
É sobretudo o transtorno para quem lá vive. Muitas vezes, são pessoas com grande dificuldade de mobilidade, pessoas mais velhas… E nós somos incapazes, por vezes, de dar resposta a tudo em tempo útil, porque se estamos a arranjar hoje e são estragados amanhã, não há manutenção que resista. Temos mais de 500 queixas-crime entregues às autoridades e estamos a fazer esse trabalho com as forças de segurança, a quem agradeço todo o trabalho que têm desenvolvido junto da Gebalis.
E o que é que está por fazer?
O projeto da Gebalis é um projeto inacabado. 65 mil pessoas e 23 mil casas – há sempre coisas que são necessárias fazer. Neste programa “Morar Melhor”, fizemos uma recuperação grande do edificado no seu todo. Depois teremos uma segunda fase com a reabilitação dos fogos titulados. Temos planeado um grande investimento na habitação em Lisboa até 2030 e, seguramente, que o acionista Câmara Municipal vai acompanhar-nos.
Além da gestão habitacional, a Gebalis também tem uma forte componente social. Que projetos foram implementados para promover a inclusão e o desenvolvimento comunitario?
O nosso foco são – e sempre foram – as pessoas. Crescemos nos projetos comunitários mais 700% do que no passado recente. A casa digna é o mais importante para começar uma vida, mas não é o suficiente. Muitas vezes basta um telefonema: o combate à solidão, à literacia financeira, à literacia energética… Valorizar o que tanto existe nos bairros e que é tão bom.
Como o engenheiro Carlos Moedas disse, em três anos já ajudamos mais de 3500 famílias, ou com casas que foram construídas e reabilitadas ou com a ajuda às famílias no pagamento das rendas.
Há casos de sucesso de programas vossos?
Há vários, felizmente. No ano passado, lançámos os “Talentos do Bairro” em que tivemos 130 participantes formidáveis. A segunda edição foi apresentada recentemente pelo engenheiro Carlos Moedas, que tem um carinho muito grande pelos bairros municipais. É uma parceria que também temos com a Medialivre. Esperamos que seja o mesmo sucesso que foi no ano passado, com mais de 130 participantes, quatro sessões preparatórias, uma grande final no Capitólio e, este ano, será no dia 6 de dezembro com uma transmissão em direto na CMTV.
A vencedora do ano passado, a Inês Coito, que é de Marvila, não queria inscrever-se. Fadista, com uma voz extraordinária. Daqui a uns anos, vamos ver estes cantores de sucesso que nasceram dos “Talentos do Bairro” da Gebalis. Quem quiser vir participar com o seu talento, seja ele qual for, venha até nós. Não tenham problemas, estamos cá para o abraçar, seja quem for! Dos oito aos 80, tem a porta aberta nos “Talentos do Bairro”.
Este ano, também já começou a segunda edição do “Bora Mexer”, que é um projeto em parceria com o Record, para combater a falta de desporto, o isolamento e dar voz às pessoas nessa área do exercício físico, com grandes embaixadores conhecidos e oriundos dos bairros. No ano passado, tivemos 1200 participantes em dez bairros. Queremos dar igualdade de oportunidades a estas pessoas. Virem combater a solidão, o isolamento, fazer exercício físico, conviver. E, no meio desta convivência e deste exercício, fazem as suas queixas, dizem-nos os seus problemas. Não é preciso ser morador dos bairros, todos os lisboetas estão convidados a participar no “Bora Mexer”.
Como é que a Gebalis trabalha a segurança e a convivência nos bairros municipais?
A insegurança nos bairros é igual à insegurança no resto da cidade. Não há mais insegurança nos bairros municipais. Também há vandalismo, também há problemas de criminalidade nos outros lados da cidade.
Trabalhamos de perto com as forças de segurança, com as juntas de freguesia, com a Santa Casa da Misericórdia, com a Proteção Civil e sobretudo com as pessoas, com as associações do bairro, com os GABIP [Gabinete de Apoio a Bairro de Intervenção Prioritária] que criámos… Tudo isto são fontes de trabalho comunitário que evitam esse problema da segurança. A recuperação do edificado também. Quando se fala da segurança não se pode falar só da segurança per se, há um conjunto de atividades que é preciso desenvolver.
De que modo articulam esse trabalho com as outras entidades, desde as forças de segurança e organizações da sociedade civil?
O estigma de que os bairros são inseguros combate-se com a verdade. E a verdade é dizer que não são. A grande maioria das pessoas que mora nos bairros sociais são pessoas de bem. É preciso olhar para estes bairros com outros olhos.
Temos, por exemplo, os “Lotes ComVida”, que é um projeto em que ajudamos as pessoas dos lotes a recuperarem o próprio lote. São mais de 300 lotes, mais de 25 bairros e há uma inclusão, uma participação de todos. Às vezes, pode haver má comunicação, mas estamos a melhorar também esse ponto e esperamos que brevemente estes 300 sejam 500.
Falando da digitalização, há planos para modernizar os processos administrativos?
Nós investimos muito na comunicação, na proximidade. Porquê? Porque o tempo das pessoas não é o tempo dos procedimentos. Um procedimento, um concurso público, demora uma eternidade e o tempo das pessoas é para hoje, é para amanhã. Criámos um call centerpara estar mais próximo, um portal de morador e, sobretudo, investimos muito em ferramentas informáticas, dentro da empresa, para dar mais qualidade a quem trabalha e responder com maior eficiência a quem necessita.
Hoje há novas tecnologias que os próprios moradores acompanham. Temos uma parte de moradores mais idosos que não têm essa facilidade, mas tentamos também melhorar isso. E damos formação a quem nos procura.
Há projetos de eficiência energética ou sustentabilidade em curso nos bairros?
Existem. Nós procuramos construir com as novas tecnologias e com uma economia circular. Neste momento estamos a trabalhar num projeto inovador no “Lisboa Inova”, o “Helena”, que vai trazer grandes benefícios energéticos, sobretudo aos nossos moradores. O combate à pobreza energética é outra das nossas preocupações.

Fernando Angleu, presidente do Conselho de Administração da Gebalis
O vandalismo nos elevadores é sobretudo um transtorno para quem vive nos bairros municipais. Muitas vezes, são pessoas com grande dificuldade de mobilidade, pessoas mais velhas… E nós somos incapazes, por vezes, de dar resposta a tudo em tempo útil, porque se estamos a arranjar hoje e são estragados amanhã, não há manutenção que resista.
A Gebalis tem estabelecido parcerias estratégicas com outras entidades público-privadas. Que papel podem ter essas parcerias no futuro da habitação?
Temos as mais diversas parcerias. Por exemplo, temos com a Fundação Benfica, a “Community Champions League”, que é mais do que um projeto de futebol, é um projeto comunitário: tem mais pontos quem ajudar a comunidade do que o próprio jogo em si. Temos outros projetos com a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa; lançámos duas Clínicas do Bairro, este ano, com médicos, nutricionistas, enfermagem, nas quais já tivemos mais de 5 mil atos médicos e de enfermagem, em cerca de um ano, o que é um sucesso.
Que estratégias estão a ser pensadas para responder às necessidades habitacionais dos mais jovens?
A Câmara aprovou agora a nova Carta Municipal. Um dos desafios da Gebalis é acompanhar o desenvolvimento dessa Carta Municipal: são mais de 7 mil fogos que vão ser construídos em Lisboa, uns públicos, outros privados. Como o engenheiro Carlos Moedas disse, em três anos já ajudamos mais de 3500 famílias, ou com casas que foram construídas e reabilitadas ou com a ajuda às famílias no pagamento das rendas. Sabemos que o preço elevado da habitação é incomportável para muitos e o papel público, quer da Câmara, quer da Gebalis, é ajudar estas pessoas mais necessitadas. Queremos que muitos jovens fiquem em Lisboa e fazemos um apelo a que todos concorram às rendas acessíveis ou a outro tipo de projetos que a Câmara tem.
Que prioridades a Gebalis tem para os próximos anos?
É manter o ritmo de recuperação. Como é óbvio, não é necessário haver um investimento tão grande nos próximos anos nem de maneira tão célere, mas não pode deixar de haver investimento.
Como se garante que os investimentos feitos hoje vão permitir uma gestão sustentável no futuro?
Quando fazemos um planeamento para o investimento nas obras, tentamos que essas obras sejam duradouras. Este investimento térmico que estamos a fazer, por exemplo, tem as melhores práticas, os melhores elementos de construção. Porque, muitas vezes, depois há um custo de manutenção muito grande. E, num património tão vasto, é mesmo enorme. Portanto, temos que construir bem para que seja duradouro.
Recebem feedback por parte dos moradores? Como é a participação ativa deles neste processo?
É muito grande. Em 2024, tivemos 80 mil intervenções telefónicas ou por e-mail de pessoas que nos procuraram. Fizemos mais de 8 mil visitas domiciliárias. Com as novas tecnologias, as pessoas mais facilmente reclamam, mais facilmente nos procuram. O que é bom. Se diminuirmos o tempo de resposta junto de quem precisa, já ficamos muito satisfeitos.
Os apoios comunitários são suficientes?
São uma grande ajuda, mas precisamos também que haja investimento nacional. Esta nova política pública de recuperar 59 mil casas vem demonstrar essa vontade do próprio Governo. O país tem esse défice e há uma lista de espera muito grande. A especulação imobiliária cresceu de tal maneira que, hoje, é muito difícil dar resposta a quem precisa. Não há uma bala de prata para resolver este problema, mas todos em conjunto temos que procurar soluções. A questão fiscal também é muito importante. Temos muitos edifícios devolutos do Estado, outros que eram da Defesa, por exemplo. Há tantos, que podem ser recuperados e criar condições para termos uma habitação mais fácil, menos onerosa e sobretudo mais célebre para quem realmente necessita de habitação.