A urgência de salvar o planeta
Portugal é um país rico em capital natural, mas ainda não lhe é atribuído o valor económico merecido. No terreno, está a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030, cujo propósito é gerir e potenciar o capital natural do País.
Publicado em 5 de Novembro de 2021 às 17:35
Por Cofina Boost Content
Alguns dias antes do arranque da 26.ª Conferência Internacional sobre Mudança Climática, que decorre em Glasgow, a organização lançou uma campanha em que o protagonista, um dinossauro chamado Frankie, chamava a atenção para a grave situação que o mundo vive devido às alterações climáticas.
Frankie alertava os líderes na sala da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que “estão a caminho de um desastre climático e, ainda assim, todos os anos os governos gastam centenas de milhões de fundos públicos em subsídios para produzir combustíveis fósseis”, lembrando que os riscos para se caminhar para a extinção é uma realidade efetiva.E a verdade é que a mensagem é bem real: o impacto das atividades humanas – como a queima de combustíveis fósseis, o abate da floresta tropical e o aumento da atividade pecuária –, no clima e na temperatura da Terra é cada vez maior.
As enormes quantidades de gases com efeito de estufa oriundas destas atividades juntam-se às naturalmente presentes na atmosfera, reforçando o efeito de estufa, o aquecimento global e, por consequência as alterações climáticas. Recordemos que o CO2 produzido pela atividade humana é o principal responsável pelo aquecimento global e, em 2020, a sua concentração na atmosfera tinha aumentado para 48% acima do nível pré-industrial (anterior a 1750).
Valorizar a natureza
Todas estas ações humanas colocam em risco a sobrevivência do capital natural, cuja importância tarda em ser valorizada de forma maciça. Neste sentido, no passado mês de março, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou uma decisão importante com o mote de valorizar o capital natural existente no mundo ao definir uma nova forma de medir os índices sobre a economia e o ambiente. Na altura, o secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou esta iniciativa como “um passo histórico e transformador na forma como vemos e valorizamos a natureza”.
Através do Sistema de Contabilidade Económica – Contabilidade do Ecossistema (SEEA EA, sigla em inglês), pretende-se assegurar o reconhecimento do capital natural, como florestas, rios, oceanos, desertos, e outros ecossistemas, enquanto valor económico de um país, sendo que o PIB deixa de ser o único índice de medição de riqueza.
Jovem baleia azul ao lado do Pico, Açores
Outro passo decisivo foi o facto de Assembleia Geral das Nações Unidas ter declarado 2021-2030 como a “Década para a Recuperação dos Ecossistemas”. Esta iniciativa ganha relevância numa altura em que o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA) revelou que a degradação dos ecossistemas marinhos e terrestres afeta o bem-estar de 3,3 mil milhões de pessoas em todo o mundo. Além de ter um custo anual de cerca de 10% do produto bruto do planeta em termos de perda de espécies e de serviços dos ecossistemas essenciais para a alimentação, agricultura, gestão de água, entre outros. Face a este cenário torna-se urgente ações que conduzam à restauração desses ecossistemas. A nível mundial, a perspetiva é que se consiga recuperar, até 2030, um total de 350 milhões de hectares de ecossistemas e solos degradados, o que poderá gerar nove triliões de dólares em serviços dos ecossistemas, incluindo a eliminação de 13 a 26 gigatoneladas de gases com efeito de estufa.
Dar valor aos serviços de ecossistemas
Em termos de capital natural pode dizer-se que Portugal é um país rico. De acordo com a União Internacional da Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês), no País, encontram representados 35 mil espécies de animais e plantas, o que corresponde a 22% da totalidade de espécies descritas na Europa e 2% das espécies identificadas no mundo.
Com base nos mesmos dados, no que diz respeito à preservação do capital natural, cerca de 22% da área territorial terrestre está integrada na Rede Natura 2000, ocupando o 10.º lugar em toda a União Europeia. Portugal possui 18% do território continental classificado como Sítio de Importância Comunitária e cerca de 9% do território continental delimitado como Zona de Proteção Especial.
O secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território, João Lopes Catarino, realça esta riqueza natural ao lembrar que em comparação com outros países europeus “o país engloba uma grande diversidade de paisagens, de património geológico e de biodiversidade”. Face à realidade dos números, o governante não tem dúvidas que “é inevitável concluirmos que o capital natural de Portugal é um dos seus maiores ativos patrimoniais”. Mas apesar deste património natural rico, o mesmo tem vindo a degradar-se, assim como a biodiversidade está em risco de deterioração, caso não seja mais protegida.
O lince ibérico é um felino selvagem endémico da Península Ibérica
Para preservar a biodiversidade e restaurar a que foi danificada, foi desenhada a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade 2030 (ENCNB 30), cujo propósito é gerir e potenciar o capital natural de Portugal.
Entre os objetivos deste plano, pretende-se melhorar o estado de conservação do património natural e promover o reconhecimento do seu valor pela economia e pela sociedade para o desenvolvimento do País.
A nível mundial, estima-se que a biodiversidade seja direta ou indiretamente responsável por serviços de ecossistemas avaliados em cerca de 50% do PIB mundial. Falamos de serviços de ecossistemas a toda a produção feita pela natureza, onde se inclui, a polinização, colheitas agrícolas, fornecimento de madeira, sequestro de carbono, purificação da água, captura marítima de peixes, fornecimento de água, entre outros.
Mas a biodiversidade, como base da atividade económica, continua sem receber o devido reconhecimento. João Lopes Catarino admite que “em Portugal, os serviços prestados pelos ecossistemas estão ainda insuficientemente reconhecidos, avaliados e até contabilizados”. Por isso, defende que “o caminho a fazer é através da correta valorização dos serviços de ecossistemas, proporcionados pela biodiversidade e consequente remuneração dos agentes económicos que os reproduzem”, sublinhando ainda que o facto de não se medir no PIB o capital natural “ajuda a explicar porque não é suficientemente valorizado por alguns setores da economia”.
Sobreiro ao sol da tarde, Alentejo
O governante alerta que a perda de biodiversidade está em aceleração, sendo que, cerca de um milhão de espécies correm risco de extinção em poucas décadas. Além disso, há que contar com outros fatores negativos e ameaças como as que temos em Portugal, nomeadamente a suscetibilidade à desertificação, o risco de incêndio florestal, a intensificação de práticas não sustentáveis de utilização agrícola ou florestal do território, o abandono de práticas agrícolas, silvícolas e pastoris que restauram e melhoram o estado de conservação do património natural.
Face a este cenário, o secretário de Estado realça que “as atividades humanas são parte essencial dos equilíbrios naturais existentes no nosso País, pelo que a regressão demográfica nos territórios de baixa densidade, onde por exemplo estão presentes as grandes áreas protegidas, é um relevante fator de ameaça”.Neste âmbito, João Catarino detalhou que o investimento total em proteção da natureza ascende a quase 69 milhões de euros, dos quais 39 milhões são investimentos do POSEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos) e perto de 32 milhões são investimentos do Fundo Ambiental. Face à urgência da preservação da biodiversidade, o governante assume o compromisso: “O ano de 2022 será dedicado à natureza, pretendendo-se pôr o tema do património natural no topo da agenda política nacional.”