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Mercado de trabalho em transformação

Mercado de trabalho em transformação

Os sinais já existiam, mas a pandemia veio acelerar a adoção de modelos de trabalho híbridos e maior flexibilidade, seja de horários ou do local onde se desempenha a tarefa.


Publicado em 5 de Novembro de 2021 às 17:34
Por Cofina Boost Content

O mundo do trabalho tem vindo a enfrentar várias transformações, sendo uma das principais tendências a possibilidade de desempenhar funções fora do ambiente de escritório. As regras de confinamento trazidas pela propagação da pandemia de covid-19 vieram acelerar a implementação de novos modelos, como o trabalho remoto e a maior adoção de medidas de flexibilidade.

A premissa que está cada vez mais em vigor, junto das organizações, é que já não é tão essencial para a sua sobrevivência que os colaboradores “piquem o ponto” e estejam juntos no mesmo local de trabalho. Ao mesmo tempo que se conclui que a produtividade e a rentabilidade não ficam beliscadas com a adoção destas práticas.

Teletrabalho, home office ou trabalho remoto resumem o mesmo conceito, que consiste em fazer atividades profissionais à distância, usando a tecnologia para realizar as tarefas e para se conectar com os colegas. O escritório em casa, o café ou os espaços de coworking são alguns dos locais que acabaram por se transformar num ponto de trabalho.

Alguns especialistas ligados ao segmento laboral deixam o seu testemunho sobre estas temáticas da flexibilidade e modelos de trabalho híbrido. Um dos pontos em que são unânimes é que a flexibilidade laboral já é uma realidade no mercado português, sendo que a pandemia teve um efeito impulsionador e acelerador.

Efeito pandemia

O sócio e partner na PLMJ, Nuno Guedes Vaz, explica que a flexibilidade tem muitas vertentes de análise no domínio jurídico-laboral. “A pandemia terá convocado, sobretudo, a implementação de medidas laborais na vertente da chamada flexibilidade interna das empresas”, diz o especialista em direito laboral. E, nesse campo, “são diversos os desafios que se podem pôr: a flexibilidade funcional, a flexibilidade geográfica (local de trabalho), a flexibilidade do tempo de trabalho ou a flexibilidade remuneratória”, detalha Nuno Guedes Vaz.

Com a pandemia, nos casos em que as empresas conseguiram continuar a funcionar, “julgo que surgiram sobretudo desafios na área da flexibilidade funcional e dos horários de trabalho, até por força das sucessivas alterações das regras de confinamento/desconfinamento, regras de abertura e funcionamento de várias atividades económicas e regras sobre organização de horários e de trabalho, que obrigaram a uma capacidade de rápido ajustamento, por parte dos empregadores e dos trabalhadores”, realça ainda o partner na PMLJ.

Mercado de trabalho em transformação
Desde a pandemia que as reuniões em videochamada passaram a fazer parte do quotidiano das empresas

Desde a pandemia que as reuniões em videochamada passaram a fazer parte do quotidiano das empresas

A career senior consultant da Mercer Portugal, Vânia Fonseca, sublinha que uma das conclusões do estudo “Flexible Work Survey 2021”, desta consultora especializada em redefinir o mundo do trabalho e a promoção da saúde e bem-estar das pessoas, refere que 75% das empresas no país pretendem implementar o trabalho remoto híbrido e mais de 70% o horário flexível.

A consultora sénior da Mercer detalha que “não são apenas as empresas de serviços a adotar tais modelos, as empresas que operam em setores mais tradicionais, como a indústria, retalho e setor financeiro, têm apostado no desenvolvimento de políticas de flexibilidade”. Esta aposta transversal das organizações “surge naturalmente em resposta das tendências, mas também das expectativas da comunidade de talento”, diz Vânia Fonseca.

Flexibilidade não limita a produtividade

Perante a pergunta se empresas flexíveis são sinónimo de mais produtivas e rentáveis, Vânia Fonseca socorre-se de novo do estudo “Flexible Work 2021” da Mercer, que concluiu que cerca de 80% das organizações consideram que a produtividade em trabalho remoto se manteve e as restantes consideram que a esta aumentou. Nesse sentido, “a flexibilidade pode contribuir para que as pessoas sejam mais produtivas e que fomente maior rentabilidade para o negócio. No entanto, não podemos dizer que empresas que são flexíveis são consequentemente mais produtivas e rentáveis”, frisa a interlocutora da consultora. A mesma fonte acrescenta que a flexibilidade pode ser percecionada como uma fonte de produtividade e de motivação dos colaboradores, mas para isso acontecer, existem outras condições, como a preparação da liderança, das ferramentas de gestão e acompanhamento e da cultura organizacional, para que o impacto seja naturalmente positivo no negócio.

O CEO da Randstad Portugal, José Miguel Leonardo, também corrobora que ”a pandemia veio acelerar muitas das tendências que se antecipavam para o mercado de trabalho, seja ao nível da flexibilidade, seja das competências”. Mas alerta que “esta foi uma transformação forçada pelo contexto, agora é necessário tomar decisões e alinhar essa mesma transformação com a estratégia da organização e a gestão de pessoas, reconhecendo que este é um tema desafiante e que envolve várias dimensões, muito além de simplesmente decidir o local de trabalho”.

José Miguel Leonardo sublinha que “a flexibilidade pode ir até onde faz sentido para as empresas e para os talentos. E que ninguém se engane a dizer que são as organizações que querem a flexibilidade, porque este é um desejo partilhado por empresas e trabalhadores”.

O presidente executivo da Randstad explica ainda que este conceito se desdobra em flexibilidade contratual, do local de trabalho, de horário de trabalho e funcional. E lembra que se trata de flexibilidade no sentido de melhorar a conciliação entre a vida pessoal e profissional, de ajustar a mão de obra aos ciclos produtivos, de aumentar a produtividade e contribuir para a felicidade individual, de responder à oferta e à procura, de permitir maior agilidade entre funções e tarefas, reconvertendo e requalificando pessoas. Nas palavras de José Miguel Leonardo, “esta é a flexibilidade que não se traduz num modelo único, mas que é fundamental para o desenvolvimento do nosso país”.

O mesmo responsável defende que “é preciso parar de legislar e de restringir a flexibilidade fomentando demónios que não beneficiam nem as empresas, nem os trabalhadores”.

Para o CEO da Randstad Portugal, há um enquadramento legal que permite a flexibilidade e que está alinhado com as diretivas europeias.

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Já o executive manager da Michael Page, Vasco Salgueiro, admite que os modelos de trabalho híbridos “trazem benefícios para as empresas e colaboradores”. O responsável desta empresa de recrutamento especializado detalha que os benefícios para as empresas resultam em “colaboradores felizes, satisfeitos e mais produtivos, além de redução de custos de estrutura como rendas de escritório, comunicações, limpezas, entre outros”. Para os colaboradores, o modelo de trabalho híbrido contempla “um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, otimização da gestão do stress diário (associado a trânsito, deslocações, etc.) e deslocalização para outras zonas geográficas longe das grandes cidades, com impacto direto na qualidade de vida. 

Sobre se a equação flexibilidade e rentabilidade é positiva para as empresas, Vasco Salgueiro diz que depende do setor e das especificidades de negócio. De acordo com o executive manager da Michael Page, “em muitas empresas a performance financeira não sofreu impacto negativo como resultado da flexibilidade laboral. Em alguns casos que conheço, houve até uma otimização da performance financeira como resultado da flexibilidade laboral”. Ainda que admita que nem sempre existe esta compatibilidade, Vasco Salgueiro assume que “não tenho dúvidas de que a flexibilidade laboral contribui para um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, o que se traduz em maior felicidade e produtividade”.

E no futuro?

Perante tantas transformações, surge a pergunta: como se vislumbra o futuro do trabalho? Para Vânia Fonseca, a resposta é que irá além da flexibilidade a nível do horário ou local de trabalho. “Acreditamos que o futuro do trabalho passa pela transformação das formas de trabalhar cada vez mais flexíveis, da experiência do colaborador cada vez mais personalizada, da cultura organizacional baseada em relações de confiança, da estrutura organizacional cada vez mais ágil e horizontal, do papel da liderança, enquanto cuidadores das suas pessoas, e do papel dos recursos humanos enquanto parceiros estratégicos do negócio”, destaca a consultora sénior da Mercer.

Para o CEO da Randstad, o caminho vai continuar a ser de mudança e aceleração. José Miguel Leonardo sublinha que as empresas “vão ter de se focar mais nas pessoas e nas suas competências sob pena de perderem a corrida num mercado cada vez mais global”. Isto sem esquecer que a tecnologia vai andar lado a lado com as pessoas e a experiência vai ser o fator diferenciador. “Ouvir e estar cada vez mais próximo do cliente, contribuir não apenas para um projeto pessoal, mas para uma sociedade melhor, abraçando causas e levando o propósito da letra para a prática”, remata o presidente executivo da Randstad.O executive manager da Michael Page Portugal não tem dúvidas de que será “um futuro risonho. Melhor. Penso que caminhamos para um modelo híbrido, assente na flexibilidade laboral, em que se avaliam performances e não horas e local de trabalho. No fundo, empresas mais rentáveis e colaboradores mais felizes.”